Analistas apontam que o problema vai além da arrecadação e revela desgaste na relação entre Executivo e Legislativo, além de fragilidade na condução da política econômica, segundo matéria do Valor.
A recente derrubada do decreto que elevava o IOF pelo Congresso, com votos inclusive de parlamentares da base do governo, revelou um problema mais profundo do que o desequilíbrio fiscal: trata-se de uma crise no pacto político que sustenta a governabilidade no país, segundo analistas consultados pelo Valor. A reação do Executivo, que recorreu ao STF, não foi suficiente para reverter o desgaste e expôs a fragilidade da articulação do Planalto, inclusive junto a aliados.
O decreto, anunciado em 22 de maio, teve recuos no mesmo dia após repercussão negativa, o que intensificou críticas à condução da política econômica e expôs o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O episódio também colocou pressão sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que passou a ser chamado de “traidor” nas redes sociais.
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O governo editou uma medida provisória para tributar instrumentos como LCA e LCI, o que gerou nova rodada de tensões. Embora Motta tenha classificado um encontro com o governo como “histórico”, lideranças já se articulavam no dia seguinte para derrubar a proposta.
- Para Carla Beni, economista e professora da FGV, o erro foi de origem: “A sinalização é clara: o que é acordado, não se escreve.”
- Segundo a senadora Tereza Cristina (PP-MS), o governo Lula tem priorizado medidas eleitoreiras em detrimento do planejamento fiscal.
- Ela classificou como “desorganizador” o impacto da taxação sobre o agronegócio: “As LCAs respondem hoje por mais de 40% do financiamento do agronegócio. Com a taxação, elas perdem atratividade e há menos recursos para o setor.”
O analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, afirma que a crise atual é reflexo do esgotamento do pacto político da Constituição de 1988 e de um modelo disfuncional:
- “O Brasil não consegue mais gerar superávit primário de forma consistente. Isso indica que há um desalinhamento entre carga tributária e despesas.”
- Ele destaca ainda a incapacidade do Executivo em liderar sua coalizão:
- “Os partidos da base não votam como base.”
Para os analistas, a disputa pelo controle do Orçamento é central. O Congresso resiste ao aumento de carga tributária, mas não abre mão das emendas parlamentares.
- “Estamos diante de uma nova forma de se fazer política, onde o Orçamento é drenado do Executivo para o Legislativo”, diz Beni.
- “Isso torna inviável qualquer tentativa de política pública de médio ou longo prazo.”
A oposição também exige cortes de despesas, principalmente com estatais. Tereza Cristina criticou o que vê como inércia do governo diante do déficit nas empresas públicas:
- “O rombo das estatais aumentou e não vemos medidas para contê-lo.”
- O economista Istvan Kasznar, da FGV Ebape, avalia que a proposta de tributar fundos e instrumentos do agro é um “fiasco” e defende um Estado mais enxuto:
- “Temos uma carga tributária de 36% do PIB. A média da América Latina é de 17%. Precisamos redefinir o tamanho ótimo do Estado.”
Beni critica ainda a fragmentação da política econômica, afirmando que o Banco Central atua como uma entidade isolada, o que compromete a coerência das medidas fiscais e monetárias:
- “Cada ponto percentual na Selic gera R$ 50 bilhões de despesa. Mas o BC é tratado como uma estrela que orbita à parte. Isso não faz sentido.”
- Para Rafael Cortez, a disputa nas redes sociais distorce o debate:
- “O debate sobre ajuste fiscal é sempre espinhoso. Todos sabem que é necessário, mas ninguém quer pagar a conta.”
Diante do impasse, o presidente Lula afirmou na semana passada que conversará “tranquilamente” com Hugo Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para buscar uma solução.
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