Os Estados Unidos vêm há anos perdendo espaço na lista de maiores compradores de produtos brasileiros. A escalada de barreiras comerciais recentes – como a imposição de taxas e cotas sobre as compras de aço, por exemplo – ajudam a explicar a dificuldade do Brasil em manter seu espaço por lá.
Nem mesmo a troca de governo nos Estados Unidos, com a vitória de Joe Biden, deve mudar esta tendência.
De um lado, está o fato de que a proteção à produção americana, algo que sempre existiu, se tornou ainda mais forte na última década, e não será uma alternância de partido que vai revertê-la.
Do outro, estão dificuldades muito mais profundas do próprio Brasil com custos altos e baixa produtividade, que há tempos minam o avanço da indústria no mercado global.
A partir dos anos 90, com a economia manufatureira doméstica sendo substituída por produto importado, o rendimento médio do americano começa a cair. A ideia de que era mais barato e menos custoso mandar fazer os semimanufaturados lá fora mudou.
Não por acaso, o fenômeno foi ganhando corpo à medida que a China e sua avalanche de produtos baratos ascendiam e reconfiguravam completamente o mercado global do século 21.
Embora os Estados Unidos sejam um dos maiores consumidores de produtos brasileiros, vêm perdendo representatividade no comércio exterior desde o início dos anos 2000.
Isso reflete um problema maior, resultado de uma reconfiguração completa que aconteceu nas exportações brasileiras de 2000 para cá.
Produtos industrializados – vendidos principalmente para países como os Estados Unidos – foram perdendo espaço, enquanto o agronegócio e produtos básicos – os preferidos da China – roubavam de vez a cena.
“Em 2000, 60% de tudo o que o país exportava era de produtos manufaturados, e isso foi caindo até chegar a 24% hoje”, diz José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Foi nesse intervalo que a China saiu de menos de 2% das vendas brasileiras para se tornar o principal comprador do Brasil, a partir de 2009, à frente dos Estados Unidos.
Com a mudança da pauta exportadora brasileira, os Estados Unidos saíram de uma participação de mais de 20% de tudo o que o país exportava (em especial, aviões, aço, calçados e carros) em 2000 para algo próximo a 10% em 2020. Já a China, massiva compradora de soja, minério de ferro, petróleo e carnes, passou de 3% para 30% nesse mesmo período.
Não é que as vendas de outros produtos e para outros países caíram, é bom deixar claro. Os embarques para os Estados Unidos cresceram quatro vezes nesses 20 anos. É que as vendas de commodities para a China cresceram muito mais: elas se multiplicaram por 42. Tanto é que a receita com exportações para a China teve um aumento de 4.100% entre 2000 e 2019.
Com a pandemia, a distância entre China e Estados Unidos aumentou na pauta de exportações brasileiras. Enquanto as vendas para os americanos caíram 30% neste ano — considerando os valores de janeiro a outubro em 2020 ante o mesmo período de 2019 —, para os chineses aumentaram 11%.
A resposta, porém, não é tão simples quanto os Estados Unidos estão em crise e consumiram menos. As importações totais deles, neste ano, caíram 12% — bem menos do que o recuo de 30% sentido pelo Brasil.
Ou seja: sim, os americanos compraram menos coisas em 2020, mas compraram ainda menos do Brasil. E isso já em um cenário em que o dólar está completamente favorável, já que o real foi uma das moedas que mais perderam valor no mundo neste ano. Isso resulta em produtos brasileiros baratos como nunca para quem compra em dólar — o que, ao que parece, continuou não sendo o suficiente.
“Dólar não é fator de competitividade, é uma mera conversão de moeda”, defende Castro, da AEB. Para ele, a saída para o fenômeno passa bem longe da postura a ser adotada pelo novo presidente dos Estados Unidos, e está diretamente relacionada aos velhos problemas daqui de dentro.
“Nós não temos custo competitivo”, diz, mencionando os conhecidos gargalos de infraestrutura, logística e, principalmente, impostos altos e complexos, que deixam os produtos brasileiros mais caros.
“É o famoso custo-Brasil. A China não compra manufaturados de nós. Quem compra são só Estados Unidos, a União Europeia, a América do Sul, mas nossa indústria não tem preços competitivos para participar de tudo e acaba perdendo espaço para outros países.”
Fonte: CNN Brasil
*Imagem ilustrativa: istockphoto